Nichol é um típico rapaz do Norte. Não gosta de festas e nem efusividade. Ficava recluso em seu quarto por horas e sempre que sua mãe perguntava por que ele não saía, a resposta era a mesma: -A luz das ruas estão desligadas.
Um dia, o telefone tocou. Não havia ninguém em casa. Esqueci de contar a vocês que Nichol odeia atender o telefone. Nichol fechou o livro com a ira de um Deus, causando um estrondo em toda a vazia casa. Levantou-se, ecoando o barulho do salto de seu sapato, desceu as escadas, passou pela biblioteca, virou-se à cozinha e enfim estava frente ao telefone. Oh, que barulho horrendo. Parecia um bebê que insista em chorar no meio da madrugada, doía-lhe os ouvidos, a mente, até os dedos. Nichol olhou em volta, não havia ninguém. Trêmulo, tocou ao telefone, no último bipe, e atendeu.
-Olá?
-Oi, Nichol?
-Pois não?
-Tô com grana e quero sair, vamos?
-Não dá.
-Deixa de coisa cara, vamos logo!
-Você sabe que odeio que me chamem dessa gíria.
-Tudo bem, desculpe. Vamos?
-Não.
Nichol desligou o telefone. Quis jogá-lo pela janela, enterrá-lo e nunca mais ter contato com essas pessoas. ''cara'', onde já se viu?
Nichol ficou por 2 minutos parado, fazendo toda a reconstituição daquelas últimas palavras proferidas.
Sentou-se na cadeira mais próxima, olhou o céu pela brecha da cortina laranja.
-O anoitecer me faz triste.
Então, Nichol, no mesmo instante, levantou-se, pegou seu casaco, as chaves e partiu. Não sabia ao certo para onde iria, mas iria.
Rondou todo o centro da cidade, comendo cada fatia dos prédios antigos, das árvores centenárias, das luzes, dos ferros, das cores e de alguns olhares curiosos. Queria ver o rio.
Estava anoitecendo e ele sabia que não haveria canoas para o levar num pequeno tour. Ele sabia falar inglês e, como gringo por essas terras sempre tem preferência, pôs-se a resmungar alguma coisa em outra língua.
Nadou o rio, escalou grandes barcos e enfim encontrou alguém para levá-lo.
Nichol nunca havia se sentido tão feliz quanto aquela tarde. Olhou para seu reflexo naquelas águas negras e voltou a olhar para o céu. O crespúsculo transformara-se em manhã. Ooh, doce e saudosa manhã...
Nichol tirou sua melhor amiga, a máquina fotográfica. Estava tão excitado que de repente, passou a enxergar não pelas retinas, mas pela lente da máquina. Sorria e prestou-se a tirar fotos até do homem simples que remava.
-Look! It's so beautiful...
Nichol passou por cataratas, cachoeiras, viu todos os tipos de animais, flores e árvores. Sentiu-se completo diante de tanta beleza. Queria morrer ali, naquela canoa branca, olhando as gaivotas rosas sobre sua cabeça. Nunca mais Nichol voltou à antiga casa colonial. Roubou de si os livros, o casaco e as chaves [embora esta última não seja mais útil].