sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

ÓCIO

Viu as notícias repetidas, deitada na cama. Havia visto as mesmas de manhã e pensara como se estivesse acabado de chegar do trabalho, cansada, com o blazer no antebraço, ligando a tevê. Só para acompanhar a notícia.
Uma fotografia em cima da mesa roubara sua atenção. Que homem! Sim, aquele único por quem ela perdera os sentidos, a razão, o coração.
''Por onde anda?''
Não sabia, mas decerto estava dentro de si, naquele órgão que acelerava os batimentos.
''Como eu o amo, o amo e ele nem deve imaginar o quanto''

Pôs o blazer em cima do sofá, consultou a cafeteira e nada tinha. Resolveu pôr café.

Havia visto tantos rostos nus mas nenhum que a olhasse e a pedisse um beijo
Naquele escritório com cheiro de papel picado, ar condicionado ( ou condicionador de ar, como preferem os puritanos) telefones que gritam por socorro.
''Que doido''
Sim, que doido e todos os dias ela vivia isso. E gostava.

Abriu a porta da varanda, respirou as nuvens, o céu e um barulhinho ao longe.
O café está pronto. Meu amor está me esperando.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Diário

''Em certo momento, deveria ter parado, contido as palavras que haveriam de sair da alma.
Talvez aquela desilusão fosse certa. Ou não.
O certo é que acendi um cigarro e vejo que tudo o que aconteceu, se dissolve em cada cinza que queima minha meia calça.
Alguns méritos, alguns sorrisos amarelos, alguns toques tímidos,
Será que aquela passagem para Paris ainda está valendo? Será que quem eu espero existe?
Não aguento mais isso, meu cigarro contado e a garrafa de uísque já acabou. Não sou viciada, uma garrafa por semana já me basta.
Não compro mais livros, mas ainda carrego o sonho daquela biblioteca.
Já tenho 19 anos. Deveria arrumar um emprego. Ouvi falar que na rua 15 de Janeiro estão distribuindo vagas.
Mas meu salto quebrou. Acho que ainda tenho uns trocados.
-Não grita perto de mim!''

E o menino vai-se, longe, gritando por doces

Não quero ver tv esta noite.Nunca mais.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

blé

Ando cansada (mais que nunca) desses ativistas que são tão simpáticos atrás de uma tela de computador, mas que não levanta o pescoço, sozinho, a frente de um parlamentar. Estou cansada dessa farsa, hipocrisia.
Vi o noticiário local, as palavras curtas e limitadas dos comentaristas que em sua jornada sempre foram fervorosos. Cadê a voz do povo?
Tudo manipulação, mordaças.
Não, eu não tenho medo de ser uma formiga no meio de gafanhotos, e não mesmo.
Grito na rua, na chuva, no sol. Grito pela falta d'água, cuspo mesmo na cara de quem for.
Todos iguais.
Malditos comilões de carne mal assada, dos passeios nos shoppings e as madames com seus cabelos alourados de tinta paga por mãos calejadas.
Estou cansada dessa babaquisse, da voz surda.
Letrada, revoltada.
Que todos vão para o inferno e que o mordomo  alourem mais ainda seus cabelos e arrumem seus ternos sujos de babas de ovos!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Deixa me perder em alguma tinta que circula nas suas mãos?
De cima dos castelos do centro, com a tevê ligada
Alguém falando alguma coisa sobre política
O filete da sua voz me enrolando
E eu. Olhando para as tintas nas suas mãos.

Odeio-te, amo-te.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Reflexos

É madrugada, tenho ao meu lado um livro de poesias
Vinicius de Moraes e um grande amor
Mas não quero saber de amor, não esta noite
Não consigo dormir
E meus olhos não se encontram
Vou ao banheiro, lembro de alguma poesia semelhante
E copio
Copio na mente insana que fervilha entre  mil palavras
Qual delas escolher?
De repente lembro que estou em frente ao espelho, parada
Bagunçando os fios de cabelo atrás de algo entre eles
Os olhos estão caídos, olheiras fundas, olhos profundos
A vida passa, a pele muda, os olhos mudam
Lembrei da minha juventude, da liberdade e do presente
E agora, estou aqui, buscando entre os fios que embaralham meus olhos,
O meu presente
Já encontrei, disto é certo
Beijo o reflexo, narcisista sim
Com os fios de cabelos bagunçados, os olhos fundos, as olheiras e os labios desbotados,
Arranca desta face um sorriso pequeno, tímido

Quantos, além de mim, pensa no futuro de uma nação?