terça-feira, 31 de agosto de 2010

Último dia de Agosto

É olhar para os olhos e pensar: é disso que estou falando. É acreditar que ninguém entenderá suas bizarrises e de repente aparecer alguém tão bizarro e estranho quanto você. 
Sereno, olhos profundos, cabelos enrolados.
Eu o amo  pelo que é e essa bola que fica dentro de mim, permite eu fazer tudo para ficar com ele.
É o arriscar e ir contra todos os conceitos, ética, moralidade.
Sujar-se com a própria lama do quintal e dizer que foi culpa da chuva.
Fechar os olhos, abrir e ver-te ao meu lado, me olhando. Sem fazer nada. Ou tudo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Estranhos

Marcava duas horas da manhã quando ela abriu a porta e ele estava sentado, tomando mais um copo de cerveja. Ela tirou os oculos e sentou-se à sua frente. Despiu-se do casaco e olhou para ele, os olhos estavam carregados de maquiagem escura. Eram aqueles olhos pesados olhando para aquele olhar profundo e límpido.
Ele soltou uma brincadeira qualquer e ela sorriu, pediu desculpas pelo horário e ele, como sempre, ignorou e entrou em algum assunto. Conversaram, beberam e ela começou a entrar naquele coração escondido, entre as montanhas de vento.
Sentiu que estava em casa, quis pegar na mão dele mas hesitou. Ele sempre foi metido a machão, mas se mostrara tão dócil que colocá-lo dentro da bolsa seria egoísmo.
Conversavam e cada minuto que se passava, as palavras multiplicavam.
O sol raiou e ele olhou para fora. Olhou para ela. Disse: "Eu amo você. Pra caralho."
"Você terá seu filho, nem que seja com uma mulher, em uma noite."
"Não existe mulher que não seja você, quero para sempre"

Ela olhou para o sol e viu o laranja claro do dia nascendo.
Olhou para ele e tocou nos seus olhos. Deu-lhe um afago.
Ele se levantou, deu-lhe um beijo e saiu.

Um fio de cabelo ficou na bolsa dela. Um fio do imenso cabelo dele. Um fiapo daquele olhar.
Levantou-se e gritou, vendo-o por a mão na porta: "EU TAMBÉM AMO VOCÊ, ESTRANHO!".

sábado, 7 de agosto de 2010

07 de Agosto

No meio de tantas pessoas [ó como eu odeio falar "pessoas"] parei com os pés calejados. Olhei para os sapatos e lembrei de uma frase. "Quer conhecer alguém? Olhe os seus sapatos". E de repente, eu era outra pessoa, diante de mim, olhando para os meus sapatos, como se fossem os olhos. Tão surreal que poderia levantar a sola e escrever toda a minha história, todos os pequenos e discretos sapatos que ja tive e que ainda persisto em usar. O meu sapato, tão bonito mas doloroso por dentro. Como o meu coração, que faz dos meus pés, migalhas. Fiquei boa parte do tempo fitando-o, na parte mais esquecida do shopping. Eu, o par de sapatos e um moleque que insistia em bater na madeira do banco. Nada insistia em existir, somente nós três, os únicos que se inseriam num mundo que insistia em existir mas que ninguém parava para olhar. 
O bater na madeira se tornou mais forte e me despertou como um estalar de dedos. Levantei a cabeça e vi um garoto esquivo e magrelo, com um boneco que mais parecia sua caricatura. Ele andava esbelto e se animou quando viu algum outro boneco. De repente, não mais que de repente, a atenção muda com um abraço forte, daqueles que o levanta ao ar. "Quem será este que o invade no meio da multidão?"
As duas mulheres que o acompanhava, distanciavam-se, na desculpa de ver uma mercadoria qualquer na vitrine mais próxima.
O garoto pulava e o homem o beijava. "Só pode ser pai dele. Como são parecidos..."
Ouvi a voz do homem, chamá-lo de filho.
E aquela atmosfera foi se reprimindo. Só os dois e eu, a bisbilhotar. Junto com os sapatos que já deixara de me olhar, espionava comigo aquela cena. Digno!
O desejo de abraçar um homem e ele me chamar de filha, tomou conta de mim. Com aquela mesma alegria, mesmo apreço. Sem se importar se a mãe fala ou não com ele. O garoto era o único da vida daquele homem, o filho dele. Aquele que o parava no meio da multidão, ficava grandiosos minutos abraçados e o beijava, com o doce mais embriagante de todos os chocolates e açúcares.
Fiquei olhando o resto das crianças e seus pais. Domingo era o dia deles. Deveria estar comprando algo, com o pensamento longe. Mas eu estava ali, sentada, desejando esse mesmo amor confiante.