sábado, 25 de setembro de 2010

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
-Eu faço versos como quem morre.
  Manuel Bandeira.

Eu também faço versos como quem morre, Manuel...

domingo, 19 de setembro de 2010

Que os letristas escrevam sobre o meu futuro.
Que o mundo abra uma janela para eu escapar e ver o sol nascer.
Que o inverno do meu coração passe logo, dando lugar a próxima estação.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Marília

O dia nasceu choramingando. Um desses instrumentos de corda estava tocando. Fazia uma melodia matinal. Marília acordou com o coração chuvoso e frio. Pegou a toalha e saiu. Abriu os olhos quando já estava fora da casa, na varanda. O sol nem havia acordado e ela estava ali, parada, com as luzes apagadas, na escuridão da noite que estava arrumando as malas. Sentiu a brisa tocar-lhe as costelas, dançando e brincando em fazer arrepios no corpo.
-O que você faz aí parada?
-Nada! (oh céus, não me deixam nem pensar em paz?)
Marília virou-se, deu um beijo no nada e voltou. De repente, no meio do caminho, pôs-se a chorar. Soluçava, caída no chão. Quem visse Marília daquele jeito que visse, ela não se importava.
Enxugou as lágrimas e foi tomar banho.
Escovando os dentes, olhou-os, como de costume:
-Que bonitos, todos quadrados e grandes.
Então, no abaixar da cabeça, pôs-se a chorar de novo:
-CÉÉÉUS, QUE DROGA DE VIDA! SOU TÃO LEGAL MAS TÃO DISTANTE AO MESMO TEMPO! QUANDO HEI DE SER FEIA MAS TOCÁVEL?

Marília vestiu o casaco cor de vinho, pegou as chaves e saiu. Não se importou em borrar a maquiagem negra, quis se misturar com as gotas matinais e perder-se. Lembrou-se do garotinho de algum filme. "Quero poder ter aqueles óculos e me sentir invisivel".

Quando Marilia conquistou um sorriso, um saco de coisa ruim sentou-se ao seu lado. PRONTO! Era o fim de Marília. Como queria um cigarro, como queria fugir dali, como sua face doía com sorrisos falsos e amarelos, como aquele saco a incomodava!
Marília levantou-se e sem olhar para trás, correu. Correu  até encontrar o posto mais próximo. Encontrou um par de olhos azuis, abracou-o e chorou. O céu chorou junto.
-O que você tem, Marília?
-Tenho a dor dos corações e do mundo, me abraça.

domingo, 5 de setembro de 2010

A história de Nichol

Nichol é um típico rapaz do Norte. Não gosta de festas e nem efusividade. Ficava recluso em seu quarto por horas e sempre que sua mãe perguntava por que ele não saía, a resposta era a mesma: -A luz das ruas estão desligadas.
Um dia, o telefone tocou. Não havia ninguém em casa. Esqueci de contar a vocês que Nichol odeia atender o telefone. Nichol fechou o livro com a ira de um Deus, causando um estrondo em toda a vazia casa. Levantou-se, ecoando o barulho do salto de seu sapato, desceu as escadas, passou pela biblioteca, virou-se à cozinha e enfim estava frente ao telefone. Oh, que barulho horrendo. Parecia um bebê que insista em chorar no meio da madrugada, doía-lhe os ouvidos, a mente, até os dedos. Nichol olhou em volta, não havia ninguém. Trêmulo, tocou ao telefone, no último bipe, e atendeu.
-Olá?
-Oi, Nichol?
-Pois não?
-Tô com grana e quero sair, vamos?
-Não dá.
-Deixa de coisa cara, vamos logo!
-Você sabe que odeio que me chamem dessa gíria. 
-Tudo bem, desculpe. Vamos?
-Não.

Nichol desligou o telefone. Quis jogá-lo pela janela, enterrá-lo e nunca mais ter contato com essas pessoas. ''cara'', onde já se viu?
Nichol ficou por 2 minutos parado, fazendo toda a reconstituição daquelas últimas palavras proferidas.
Sentou-se na cadeira mais próxima, olhou o céu pela brecha da cortina laranja.
-O anoitecer me faz triste.
Então, Nichol, no mesmo instante, levantou-se, pegou seu casaco, as chaves e partiu. Não sabia ao certo para onde iria, mas iria.
Rondou todo o centro da cidade, comendo cada fatia dos prédios antigos, das árvores centenárias, das luzes, dos ferros, das cores e de alguns olhares curiosos. Queria ver o rio.
Estava anoitecendo e ele sabia que não haveria canoas para o levar num pequeno tour. Ele sabia falar inglês e, como gringo por essas terras sempre tem preferência, pôs-se a resmungar alguma coisa em outra língua.
Nadou o rio, escalou grandes barcos e enfim encontrou alguém para levá-lo.
Nichol nunca havia se sentido tão feliz quanto aquela tarde. Olhou para seu reflexo naquelas águas negras e voltou a olhar para o céu. O crespúsculo transformara-se em manhã. Ooh, doce e saudosa manhã...
Nichol tirou sua melhor amiga, a máquina fotográfica. Estava tão excitado que de repente, passou a enxergar não pelas retinas, mas pela lente da máquina. Sorria e prestou-se a tirar fotos até do homem simples que remava.
-Look! It's so beautiful...

Nichol passou por cataratas, cachoeiras, viu todos os tipos de animais, flores e árvores. Sentiu-se completo diante de tanta beleza. Queria morrer ali, naquela canoa branca, olhando as gaivotas rosas sobre sua cabeça. Nunca mais Nichol voltou à antiga casa colonial. Roubou de si os livros, o casaco e as chaves [embora esta última não seja mais útil].

sábado, 4 de setembro de 2010

Setembro

-Eu poderia ficar sentado uma eternidade aqui com você, sabia?
-Eu também. Por que demorou tanto?
-Porque voce não me chamou...

Numa manhã de Setembro, lá estava eu, esperando, como mais um dia, o onibus passar. Deveras estava demorando. Fazia frio, mas o sol teimava em aparecer, nem ao menos que fosse pra sinalizar que existe.
A aula começava às 6h. Já eram 05:30. Olhei para o relógio. Avistei alguém pelo vidrinho, olhei pra trás e era um velho colega. Trocamos algumas palavras soltas e sem sentido. Algo como ''oi, o que cê faz aqui?''
Então, num relance de olhar, eu o vi. Ele vinha descendo a rua, sem nenhuma preocupação aparente. 
Cabelos longos, castanho claro, pele alva e olhos claros. Verde, marrom, cinza, até hoje não sei ao certo quais cores eram. Mesmo que todas as noites eu o olhasse profundamente e interruptamente. Aquele olhar fundo, as pálpebras levemente caídas, o típico rosto de alguém perfeito para uma bela maquiagem. 
-Oh, páre com esses pensamentos sem sentido! Ele é um homem, um moço, um menino saindo da infância e descobrindo a cor do mundo.
Mr. Johnson olhou para trás e o reconheceu. Era um amigo. 

-Oi! Quer ir comigo?
-Pra onde?
-Nesse onibus...
-Ah sim, claro! Vamos
-Posso te dar meu violão, c quer?
-Seu violão?
-Oh, não pense que é uma troca de favores, viu?
-Que isso, eu sei que não.

Sorri o sorriso mais sem graça da história. Eu estava maravilhada, sabia mas não queria admitir. Será essa a minha grande chance? Ou não? Talvez seja mais um dos jogos sem graça da vida.
Entramos, sentei ao lado direito. Tinha vários bancos vagos, mas ele sentou-se ao meu lado.
-Acho que gostei de você assim que te vi.
-Eu também.

As mãos ficaram trêmulas. Eu desapareci, ele ficou lá.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

02-09

Esses dias tem sido assim: todos a mesma coisa, o mesmo tom cinzento e bocas que se mexem sem parar.
Sinto-me a mais covarde de todas em ter que aceitar tudo o que tem acontecido. Ou não.
Talvez agora eu queira sair dessa capsula e sofrer os danos do mundo. Sem ninguém para me controlar.
Eu quero poder alcancar a mão da liberdade e nunca mais solta-la. Ahh se tivesse plena certeza que o alto custo traria exatamente o que espero...
Não quero falar, ouvir nada de ninguém, ver ninguém e muito menos que me venham com falsas preocupações. Aliás, nenhuma preocupação. Quero poder ficar sozinha e invisível.
Se pudesse, vestiria uma capa e todos os dias faria o mesmo trajeto, sem que ninguém percebesse que estou ali.
Realmente cansei de esperar que alguém sente ao meu lado e pergunte como foi meu dia, se estou bem, se quero conversar. Alguém que mais tarde não use isso contra mim, como diria algum desses cantores famosos. Alguém que fosse meu amigo, não em uma semana, mas por anos. E que não enxa meu saco quando eu quiser ficar sozinha, porque ele sabe que eu preciso. Uma criatura tão forte e sem frescuras quanto acho que sou. Ok, o forte pode ser ignorado por hoje.
Enquanto tudo cada vez mais se torna instrumento de pressão, eu durmo. Durmo para esquecer que existo, pra ver se essas horas passam mais rápido.
Enquanto alguns tentam acabar com meus planos e alegrias, me torno uma covarde e deixo chover por dentro. Chorar? Deixo pra fazer quando ninguém tiver me olhando.
Ninguém mais precisa dizer que está de saída quando eu chegar.

Um beijo e adeus.